Em tardes molhadas, repito os bolinhos de chuva do
passado. Não falhava. Tarde chuvosa,
cárcere privado. Sessão da tarde e jogos de tabuleiro para diminuir a agitação
represada.
O fim de semana foi de céu zangado e muito choro. Leituras
curtas, muitos filmes e a certeza do bolinho de chuva com canela e açúcar no
final da tarde. Mato a minha ansiedade num seppuku adocicado. E na despensa o
indispensável para tardes chuvosas se transformarem em açúcar e haraquiri.
Neste final de semana que passou, a chuva deixou de ser
confete, para ser transformar em grade. Fiquei preso em casa olhando o mundo
pela tela do computador. Impossível sair de casa com relâmpagos e trovoadas.
Restaram-me os doces, os romances, as comédias e as ficções. Fazer o quê? Se ela resolveu permanecer em
minha janela. Nada de banho de chuva, de uma corridinha até o ponto, da
campainha tocando. Tornei-me uma ilha cercada de chuva.
Mas hoje foi diferente. Amanheceu menos aguado. Nublado, mas sem
chuva. Saí num caminhar sem setas. Queria ver gente e cores; precisava sentir o
cheiro do mato, ouvir o vento açoitando as folhas, mesmo que por pouco tempo –
a chuva estava prevista - eu não queria
me encharcar de surpresa. Voltei pra casa menos seco e mais assustado. Júpiter anunciava a sua fúria a toda força.
Tornei-me novamente ilha. Um prisioneiro de Zeus.
Era quase um tratado. Em dias de chuvas fortes nada de
escola. Estávamos perdoados por dormir até mais tarde. O melhor da chuva era poder, depois dela,
molhar uns aos outros numa festa coletiva. Festejávamos a nossa liberdade
depois de dias de cárceres privados. Os barquinhos de papel previamente prontos
com as folhas de cadernos eram colocados na correnteza formada rente ao
meio-fio. Pura diversão.
O sol sempre chegava
tímido, dourando as coisas, mostrando o que antes estava escondido: caracóis
deslizando nas folhas verdes, sapos pulando de um lado para o outro, assustados
com tanta gritaria. As janelas se abriam
adornadas por lençóis, tapetes ou qualquer outra coisa que precisasse de ar e de
sol. As moças gordas, e também as
magras, debruçavam-se nas janelas junto às coisas espalhadas - havia esperança
iluminando seus olhos e corações.
Hoje, em tardes molhadas, não tenho a mesma paisagem, não
repito os ritos do passado, exceto pelos bolinhos de chuva e poesias.
Paulo Francisco