Colecionáveis







As minhas coleções nunca foram adiante. Tentei, e como tentei ter uma coleção. Comecei com álbuns de figurinhas de jogadores das seleções mundiais, mas nunca completei um álbum sequer e nem conheci ninguém que tenha conseguido a tal figurinha carimbada.  A coleção de moedas até que me deu certo prazer por um tempo, mas elas ficavam condicionadas em latas de leite em pó e acabei perdendo o interesse em tê-las escondidas.

Depois, tentei uma que me desse status de colecionador, tirei todos os selos das cartas de meus pais guardadas há décadas e quase levei uma surra.

Olhava as coleções de carrinhos de meus amigos e invejava-os com tamanho cuidado com os seus brinquedos de metal. Os meus eram pra brincar, e assim o fazia, nenhum era perfeito. Todos apresentavam quilômetros e quilômetros rodados pelo quintal e ruas barrentas.

Mais tarde colecionei gibis, mas terminei doando pra alguém mais interessado em lê-las do que em tê-las. Depois, foram os clássicos da literatura. Guardava-os, depois de lidos, como  objetos de coleção. Esses foram doados pelas mãos de minha mãe, numa mudança repentina. Eu fui para um lado e José de Alencar, Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Eça de Queiroz, Manoel Joaquim de Almeida, acompanhados por Nelson Rodrigues, Fernando Sabino, Raquel de Queiroz, Luis Fernando Veríssimo, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Stanislaw Ponte Preta e muitos outros, para o outro lado – o lado do desconhecido. Nunca soube onde foram parar.

Uma coleção pra ter seu valor, tem que estar dentro de normas incríveis de conservação. Seguir regras de colecionador não é pra qualquer um.  Tem que estar intacta, dependendo da coleção, nunca violada. Então, eu ria e muito, quando meu primo se referia como coleção as suas revistas da playboy e afins. Revistas mais que usadas e lambuzadas. Um armário lotado de beldades do mundo todo. Eu me contentava com os calendários guardados no fundo da gaveta – já tinha o bastante pra ser chamado de colecionador.   
       
Tive várias outras coleções: canetas, isqueiros, chaveiros - e nenhuma terminou comigo. As caixas entomológicas devidamente etiquetadas foram surrupiadas por colegas da Faculdade.

Ainda tenho guardado, quase que por um milagre divino, resquícios de uma coleção de miniaturas de dinossauros. Não contei, mas vão pra mais de cem. Estes passaram pelas mãos de João, meu filho, mas ele não se interessou em tê-los sobre a guarda de meus olhos. Perdi alguns exemplares na distração e guardei, mesmo assim,  alguns degolados e pernetas. Ainda não foram extintos totalmente.

Matheus, o filho de Alessandra, quando vem aqui em casa, gosta de brincar com as peças. Chato mesmo é quando ele dana a me perguntar o nome de cada um deles. Aí o dinossauro pega! Tenho que recorrer aos livros, pois já não me lembro do nome de todos.

Mas o que eu gosto mesmo é de colecionar amizades.

Têm algumas amizades que se tornam raras, daquelas que se guarda em papel especial e se conserva com muito carinho.

Por outro lado, têm as que tentamos em vão. Não seguem adiante. Desandam. Mas quando isso acontece é porque as peças não eram verdadeiras; não eram dignas de serem colecionadas como amigos – alguns conseguem ficar na categoria de colegas.

Já fui enganado muitas vezes por réplicas perfeitas. Jurava que eram genuínas e depois de certo tempo, apareciam falhas imperdoáveis pra uma coleção tão importante: um defeitinho de caráter aqui, um egoísmo ali, a pintura que se desgasta e logo aparece a decepcionante cor fora da série original. Não tem nada pior que uma peça desbotada. As minhas têm cores fortes e vibrantes.

 Geralmente, eu não jogo fora, mas deixo-as de lado, num outro compartimento – o dos conhecidos.

 Eu tinha uma réplica tão perfeita, mas tão perfeita, que a coloquei na primeira prateleira da coleção de amizade, achando que fosse original. Mas, quando a peça foi mudada de lugar, começou mostrar-me certas linhas de conduta que jamais uma peça original de minha coleção teria. Mas, mesmo assim, não querendo acreditar que tivesse sido enganado por tanto tempo, deixei-a no mesmo lugar por um bom período – uma espécie de quarentena. Pois, uma coleção, não pode ser contaminada por agentes estranhos. Tem que estar sempre de olho pra não perder todas as peças de uma coleção tão rara como essa. Então, resolvi tirá-la da quarentena e a deixei num compartimento inferior – o dos replicados.

As minhas coleções nunca foram adiante. Exceto a da amizade. Posso até perder uma peça, mas, no lugar da perdida, sempre tem outra de maior valor. Até porque, este tipo de coleção, tem poucas peças. São raras. Aparecem num largo espaço de tempo.

Ah! Aquela peça que me enganara por um bom tempo. Dei um jeito nela. Exterminei-a por completo de meu convívio.

Eu não tenho e nem quero ter uma coleção de traidores.

Paulo Francisco



Oposto




Na prática é diferente. Não estava procurando a cura. Mentia quem dizia que ela existia. Sabia que teria que conviver pra sempre com aquela dor de amor. Amor acabado é amor amputado - não está mais lá, mas de quando em vez o sentimos como se ele ainda existisse.

Gritava seu nome até o peito doer. Gritava seu nome na esperança do vento levá-lo até o seu coração. Gritava em vão. Sofria em vão. Vivia em vão. Mas não há tristeza que perdure por todo o sempre. Guardamo-la numa caixinha invisível dentro de nós. Se a tristeza do poeta não tinha fim, e se a felicidade era efêmera, as minhas eram intensas e insanas. Mas tinham fim sim.

Outra mentira era quando ouvia o clichê que amor se cura com outro amor. Não há amor igual. Cada um tem sua marca própria. É digital na alma – não dá pra apagar. Então, no máximo, o guardamos numa caixa invisível e o esquecemos numa parte qualquer dentro de nós. E foi assim, guardando-os em caixas invisíveis, que sobrevivi a todos eles.

Quando ela chegou já sabia que era por pouco tempo. Não era ali na minha varanda que sua rede se esticaria. Mas como eu já dissera, na prática é diferente. Acabou ficando, balançando na minha rede e contemplando o meu céu marinho por alguns meses. O poeta tinha razão quando escrevera que seja eterno enquanto dure. E foi eterno e sem dor. Pelo menos para mim.

Mas quando a outra se foi sem dizer qualquer coisa que pudesse aliviar o meu desespero, percebi que não existia amor entre nós. Era qualquer coisa, menos amor. Quem ama não abandona. Quem ama não agride, não foge, não despreza. Amor pesado, coração machucado. Esse não foi eterno, foi sim, um inferno.

Quando publiquei o texto Teoria,o comentário da moça Milene chamou-me a atenção e me deu uma vontade danada de responder na hora que na prática é diferente. Não o fiz, mas a frase ficou comigo e seu comentário também.

Não é vantagem nenhuma, Milene, viver essa insanidade toda. Vantagem é se acertar com ele, como alguns casais que conheço. Não tem tempo certo para ele chegar. Então, o infinito é o limite. Se há vida, há com certeza moradia para o amor. Ele se ajeita sim, em qualquer morada, basta essa morada estar de portas e janelas abertas para recebê-lo. Ele gosta de carinho, sinceridade e respeito. A cumplicidade é o esteio de uma vida a dois. Sem ela não há amor que consiga resistir as diversidades da vida. E na prática, Milene, será sempre diferente.

Paulo Francisco