¨Apenas mais uma de amor¨

Hoje, eu estou naqueles dias de desejos. Naqueles dias de sentir sabores excêntricos; de experimentar algo já vivido. Hoje acordei assim, um tanto ontem; um tanto amanhã. Tem dias que a gente não sabe por que levantou. O céu continua ali estampado em azul e branco, os raios se espalham em leque e, você ainda não sabe como respirá-los.

Costumo dizer que a minha tristeza é volúvel, logo, logo, ela arruma alguma coisa pra fazer. Mas hoje eu não acordei triste. Acordei com vontades: vontade de ontem; vontade de sentir cheiros que ainda não experimentei; vontade de fechar os olhos e cair em algum lugar já conhecido, já vivido – mesmo que seja vivido em vontades.

Hoje eu acordei com vontade de você.

Acho que hoje eu queria ter a surpresa de uma carta. Uma carta perfumada, escrita à mão com letras desenhadas e que começasse assim: Meu amado Paulo... É, hoje acordei com vontade do tempo de cartas, do tempo em que a resposta demorava uma semana. Que a sensação da espera era sempre uma batalha interna. E o prazer estava no perfume do papel.

Sei lá...

Hoje eu acordei estranho, esquisitão mesmo. Ouvi músicas antigas, fiz a barba à navalha, me arrumei para ir lá fora e acabei no sofá com o livro de Fernando Pessoa.

Hoje, eu acordei com uma vontade danada de receber carta de amor.


Paulo Francisco

Café da manhã

Rasguei o pão e o levei a caneca de café com leite. Estávamos sentados à mesa da cozinha para tomarmos o nosso café. O meu ritual de um único cafezinho pela manhã, não existe quando ele está comigo. João me olhou e fez uma cara de nojo com a minha atitude de rasgar o pão e molhar no café com leite. Sorri e perguntei: você nunca fez isso? Ele respondeu com uma cara estranha, como se aquilo que tivesse visto fosse a coisa mais nojenta de sua vida.

Fiz-lhe outra pergunta: Você nunca colocou o pão no leite quente com bastante açúcar? Ele novamente balançou a cabeça e mais uma cara de nojo. Ri de novo.

Não entrei em detalhes com ele. Sei que um dia ele vai repetir este gesto e vai lembrar-se de mim.

Toda vez que molho o pão no café com leite lembro-me de minha infância. Adorava molhar o pão repleto de manteiga no café quentinho. Minhas irmãs me olhavam e diziam em coro: que nojo! O meu filho também exclamou por dento.

Não sei se acontece com todo mundo, mas tenho atitudes que trago de minha infância. Era proibido, por exemplo, levar pra casa qualquer coisa que não fosse nossa, mesmo que achássemos no chão. Tentava argumentar com minha mãe, mas vinha logo a velha frase: "É seu? Não! Então deixe aí."

A nossa pasta escolar era vistoriada quase que todos os dias. Tínhamos que estar com tudo em ordem. Não existiam desculpas de uma borracha ou um lápis emprestado de um amiguinho na pasta – era castigo na certa.

Assim eu fui sendo moldado.

Mas eles se esqueceram de me dizer que no amor era diferente. Quando encontrado tinha que ser levado. As minhas paixões até então eram platônicas. Escrevia clandestinamente cartas de amor e deixava nas pastas das meninas que me fascinavam – não tínhamos sites de relacionamento. Demorei pra transgredir.

Ainda sou tímido. Mas tenho dois amigos que andam comigo e me ajudam nestas horas de extrema timidez. Os meus olhos delatam-me.

Rasguei minha timidez e a molhei em palavras – faço poemas.


Paulo Francisco