Calundu



Para Paula Barros


Era noite sem lua. Noite escura sem vaga-lumes para enfeitar. Meus olhos assustados de moleque arteiro procuravam os fantasmas das histórias contadas em tardes de chuva pela dramática e gorda vizinha que adorava nos amedrontar. Era o que tínhamos quando não podíamos brincar na rua por causa do temporal. Olhos maduros nos vigiavam para não cairmos na tentação.

Ainda procuro fantasmas e vaga-lumes em noites nubladas. Têm coisas que carregamos pra sempre. E tudo se transforma em sombra quando a noite é triste.  Hoje, em particular, meus olhos não enxergam o caminho de volta. O pretume que me acompanha empurra o meu corpo pra frente, impedindo o meu retorno ao ponto de partida. Não tenho outra escolha a não ser seguir em frente. Sigo. Simplesmente sigo. Não sei se é destino, se é fio de arame ou simplesmente terra batida.  Sei que sigo num caminho improvisado e estreito. Sigo sem saber ao certo aonde chegar. Chegarei? Ou caminharei até o corpo não mais aguentar?

As folhas enfeitavam as cabeças dos imaginários espantalhos que me seguiam de braços abertos como se fossem me pegar.  Fechava os olhos e seguia o caminho grudado na saia da minha mãe.  Ela era a luz que me guiava na floresta encantada de muitos bichos esquisitos que habitavam a minha mente de menino assustado. De olhos fechados eu só queria chegar logo. Sair do mundo encantado e ver pessoas de verdade e objetos reais. Sem o mapa nas mãos o pirata não chega a lugar nenhum. Ainda encontro espantalhos pelos caminhos que sigo.
Mesmo sabendo que não existem florestas encantadas, minhas mãos sempre procurarão a barra de uma saia pra segurar. Indo em direção ao desconhecido nunca é bom estar sozinho. Nunca se sabe o que vamos encontrar.

Hoje a noite não tem lua.


4 comentários:

  1. Entrei no meu blog, vi o seu atualizado, cliquei. Ele abriu, mas eu estava de vista baixa olhando o facebook no celular. Ao levantar a vista tomei um susto, meu nome. Eu? Olhei de novo, nem acreditei. Blog atualizado, texto, meu nome. Frio na barriga. Sorriso.
    Texto denso. Fez caminhar pela infância. Fez pensar em algumas frases. O medo do desconhecido, o estar sozinho, o segurar na barra de uma saia...
    Você sempre escrevendo divinamente.
    Adorei, o texto, o para mim.
    É bom, sabia?
    beijo no coração.

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  2. Não há como não se encantar com um texto tão bem escrito e tão mágico, parabéns...AMEI!!!

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  3. Gosto da magia e do encantamento de suas palavras num texto terno onde o medo infantil é delineado com maestria.
    Um grande abraço amigo Paulo
    E que bom vê-lo de volta ao blog

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  4. Oi Paulo Francisco
    Sempre que fala em medos eu lembro de alguém que sabiamente disse que não tinha medo mas preferia a luz acesa...rs sou exatamente assim!
    Agora imagine andar pela floresta...e ainda sozinho _fui me encolhendo enquanto lia.rs
    Sabe que florestas me metem medo só de pensar ... na verdade não dos bichos mas dos duendes...logo esses que nao fazem mal a ninguém_ e tem os lobos não é?
    Que bom saber que poso voltar a te ver ,por aqui.
    Te mando beijos

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