A intrusa




Ela era feia, muito feia. Tinha as bochechas caídas, boca grande, pernas finas e, para completar, era amarela.  Apesar de sua feiúra, não me assustei. Mas confesso que foi difícil encará-la de imediato.

Ao voltar pra cama fiquei pensando o que fazer com aquela visita indesejada. Não sabia se a pegava com as mãos e, delicadamente, colocava-a pra fora, ou, simplesmente, deixava a bochechuda invasora parada, olhando o nada, até se cansar da monotonia daquele ambiente.

Resolvi, então, dividir o meu espaço com a feiosa por mais um dia, desde que não invadisse a minha cama, tudo bem.

Impossível compartilhar os meus sonhos com uma pecilotérmica – tenho sangue quente e gosto de dormir encolhido e agarradinho. Confesso: já dormi com algumas cachorras em minha vida, mas, elas eram fofinhas e quentinhas.

Geralmente, não tenho repulsa a nada, mas era impossível não sentir nojo daquela olhuda de boca larga. Ela era grande, esquisita e quase albina.

Ao amanhecer, antes mesmo de ir à cozinha preparar o meu café, fui verificar se a invasora continuava  dormindo ou se tinha resolvido voltar de onde veio. Tristeza... ela não moveu um milímetro sequer da posição que eu deixara à noite anterior.

Após uma boa caneca de café preto e quente, deitado em minha rede, tive a brilhante ideia de transferi-la daquele lugar para a varanda da minha casa. Deixei-a num vaso de planta. Ela aceitou a nova moradia sem mover um músculo – além de feia, era preguiçosa.

Tudo em paz; estávamos felizes: eu na rede, lendo sobre ela, tentando descobrir seu nome e, a feia, na planta, olhando-me sem entender nada.

Sou assim mesmo, não gosto de visitas repentinas, mas também, não sei dizer não para aquelas que me pedem abrigo.

No meio da leitura sobre aquele ser gelado que invadiu o meu espaço, a campainha tocou:

-Surpresa!!!!

- Não acredito, por que não me ligou?

- Estava passando de carro e tentei arriscar...

- Que bom! Estava lendo um livro cientifico.. e ...

- Passei para um saber como tá tudo... você não atende as minhas ligações...

- Eu estava viajando, retornei ontem.

Ela chegou sorrindo, transformando minha manhã de inverno em primavera.

Gosto de sua alegria e de seu jeito solto de invadir a minha casa.

Em meu espaço, reservo sempre um cantinho em minha rede. Ela pode se balançar e até sonhar.  ¨Mi casa, su casa.¨

Depois de incensar toda a casa, deixando-a com cheiro de pomar, resolvemos ouvir umas músicas indianas, que ela encontrou em minha coleção de CD; viajamos um bocado, cada um na sua – ela na rede e eu no sofá da sala tentando continuar com aquela leitura científica. Acabei cochilando de tão agradável estava àquele ambiente incensado por ela.

De repente um grito e um susto. Pulei do sofá e a vi, parada, amarela, com os olhos arregalados, a boca esticada, os braços duros e abertos para baixo, totalmente paralisada. Cai na gargalhada da barriga doer. Ela ali, sem mover um milímetro sequer e a perereca albina encarando-a agarrada às cordas da rede. A bicha era grande e feia.

Apresentei-a a minha mais nova visitante e, claro, fui obrigado transportá-la além de meu portão.

Não gosto disso: - ¨Ou ela ou eu? ¨ Mas, fazer o quê, quando quem diz é quem sabe melhor mandar.
Certamente, não terei mais aquela de boca grande em minha varanda. Como já disse, tenho o sangue quente e adoro dormir agarradinho. Mas, com a visitante certa, é claro!




Paulo Francisco


















3 comentários:

  1. KKkk... Amei! Acredita que achei certa graça na sua visitante. Principalmente quando ela manda beijo...
    Tive uma pegando carona no meu carro um dia desses... kkkkk. Deu-me um baita susto! Estava agarrada ao vidro da porta do carro e me olhando com aqueles olhos enormes... Ainda bem que estava do lado de fora... Ufa!
    Tenhas um domingo iluminado! Grande beijo

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  2. Você como sempre com seus textos engraçados.
    Muito criativo!!
    Eu detesto,tenho pavor só de pensar em pererecas.
    A foto da perereca com batom rsrssr,mandando beijinhos.
    Muito bom!!

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  3. Terminei seu texto rindo. E com a foto, ri mais ainda.
    Muito criativo.
    bjs

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